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"Além de boa comida, temos axé, que significa saúde", diz Carol do Acarajé

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A baiana do acarajé, Carolina Brito, mora em Portugal há 21 anos. A aventura da vinda para Portugal começa na praça central do bairro de Itapuã em Salvador da Bahia, onde até hoje se encontram as baianas do acarajé. Carol trabalhava na banca da mãe quando um casal de portugueses em férias na Bahia passou a ir todos os dias comer no local. Certo dia, perguntaram à mãe da jovem se poderiam levá-la para Portugal. Foi um convite que mudou a vida dela. Hoje, com dois restaurantes em Lisboa, está se preparando para abrir um no Porto.

Nascida e criada em Salvador, a ancestralidade de Carol está ligada a mítica Lagoa do Abaeté, de água escura e cercada de areia branca, imortalizada por Caetano Veloso na música It’s a Long Way. “Esse pedaço da música me lembra muito da minha infância. Sou neta de ganhadeiras de Itapuã, lavadeiras que eram pagas para fazer esse serviço. Minha mãe lavava roupa, minha avó lavava roupa, minha bisavó, também. Todas lavavam roupas ali na lagoa do Abaeté. Há muito mistério naquela lagoa. Ali tem muito choro e resiliência e muita superação também”, recorda.

Mais nova de 14 filhos, Carol ajudava a mãe no tabuleiro de acarajé, enquanto o pai tinha uma barraca na beira do mar. Os empresários portugueses, Cristiane dos Santos e Nelson Almeida, se encantaram com aquela menina. “Eles ficaram uma semana inteira indo na banca. No dia da minha folga, por acaso, foram lá e falaram com a minha mãe que queriam me levar para Portugal. A minha mãe se assustou e me perguntou se eu queria. Era um convite para trabalhar no restaurante Mineirão, no Cais de Gaia no Porto”, conta.

A simpatia do casal fez com que Carol aceitasse o convite para cruzar o Atlântico e aportar em terras portuguesas. “Nós falamos de destino, não é? Eu acho que foi mais assim no calor da coisa. Minha mãe argumentou se era muito longe e ressaltou que eu não conhecia ninguém em Portugal. Respondi que tinha gostado deles. Que iria e, se não desce certo, depois de três meses, voltaria para a Bahia. Já se vão 21 anos”, afirma.

Hoje, além dos muitos amigos que fez em Portugal, Carol conta com parte da família está vivendo em terras lusitanas e com visitas regulares da mãe, que por acaso, está neste momento em Portugal. “Aqui já tenho irmãos, primos, sobrinhos e uma filha. Acabei construindo minha vida aqui. A minha mãe está nesses dias, como a gente diz, passando uma chuvinha com a gente. Ela não quer ficar permanentemente aqui por causa do frio”, comenta. “Sempre digo para ela vir para ver se estou fazendo tudo direitinho. Ela me responde: Carolina, você me conhece. Então, ela verifica tudo, experimenta, vê a textura e já faz algumas coisas no restaurante. Aos 71 anos, ela me diz para deixá-la trabalhar. Já entendi que ela não sossega. Se sossegar, ela não está vivendo”, diz.

Carol fala que o tabuleiro da baiana tem muito a oferecer. Principalmente a alegria de viver. Quando cumprimenta alguém e fala axé, está desejando tudo de bom para essa pessoa. “Se temos saúde, temos axé. Em cada abraço, cada beijo, que damos, falamos axé. É uma forma de desejar tudo de bom. Saúde, prosperidade, felicidades na vida, que é muito importante. Além disso, tenho um bom acarajé para oferecer. O projeto Acarajé da Carol é uma experiência gastronômica” explica.

Para a baiana, muitas pessoas vão aos seus restaurantes para matar a saudade de casa. Casa no sentido de aconchego. A proposta do seu projeto é fazer com que as pessoas que são do Brasil e que estão em Portugal e outras que não conhecem lá se sintam bem. O seu compromisso primordial é oferecer um bom acarajé. "O acarajé, ou você ama ou você odeia” sentencia. “Não é fácil chegar matéria-prima aqui. O camarão seco, por exemplo. O fundamental é ter um bom feijão fradinho. Lavar o feijão, preparar a massa e bater muito para ficar bem aerada e mergulhar na frigideira com o dendê quente. Aí se percebe que é um acarajé cinco estrelas”.

Óleo de Dendê

No início Carol usava o óleo de dendê vindo do Brasil. Mas explica que há uma escassez do produto na Bahia, devido a uma crise de produção no estado. “Acho que hoje a Bahia produz pouco dendê. Se não estou enganada, o maior produtor de dendê é o Pará. Isso aumentou muito o preço do produto no Brasil. Em Portugal, depois de experimentar o dendê de Angola, de Moçambique, encontrei um da Guiné-Bissau, que tem um cheiro maravilhoso, um feitiço puro”, afirma.

Em 2008 Carolina se deslocou para Lisboa a convite do então embaixador do Brasil, Celso Souza, para fazer acarajé na festa de Sete de Setembro na Embaixada do Brasil. Como vivia no Porto e existe uma disputa entre as duas cidades, achou que não ia gostar de Lisboa. Chegando na capital portuguesa, recebeu um convite para trabalhar em um restaurante, e foi ficando. Para não deixar os amigos do Porto na mão, chamou a irmã para substituí-la. 

Em Lisboa, iniciou uma pequena produção de acarajés no apartamento em que morava, pela insistência de amigos. O movimento cresceu e como não queira incomodar ninguém, conseguiu as quintas-feiras na Casa do Brasil para colocar seu tabuleiro lá. Era dia de folga do trabalho. Tornou-se um sucesso o dia do acarajé na Casa do Brasil. Dali, partiu para a empreitada de ter um restaurante próprio.

Inaugurou o Acarajé da Carol na Rua da Rosa, no Bairro Alto, em 2017, com 30 lugares. Com o restaurante, a baiana criou um cardápio mais ampliado. Veio o abará, que é o irmão do acarajé, o aipim frito, o bobó de camarão, um dos pratos favoritos de portugueses e brasileiros. A moqueca de peixe. A linguiça acebolada e a carne de sol. 

Hoje, já conta com uma segunda unidade, com 60 lugares, na rua de Santa Marta, e planeja abrir um restaurante na primeira cidade em que morou em Portugal, no Porto. Para os imigrantes que vieram construir a vida em Portugal, Carol deixa uma mensagem: “Desejo que todo mundo seja resiliente e que saiba estar. Não desanime de jeito nenhum. Temos de ter os pés no chão, respeitar para ser respeitado. É fundamental”, conclui.

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